domingo, 31 de maio de 2015

Sustentabilidade: Desafios de Convivência entre Humanos e Natureza. João Crispim Victorio / CEBI-RJ Sub-regional Campo Grande

Sustentabilidade: Desafios de Convivência entre Humanos e Natureza[1].

João Crispim Victorio[i] / CEBI-RJ Sub-regional Campo Grande

Podemos definir a Bíblia como sendo a Palavra de Deus dirigida à humanidade, mas não apenas como mandamentos ou meio de santificação. Pois, por meio de suas páginas, tanto nos livros do Antigo, quanto nos do Novo Testamento, podemos ter o imenso prazer de conhecer ensinamentos sobre preservação ambiental. Ou seja, a Bíblia pode nos ensinar tudo o que precisamos saber para ter e manter uma vida saudável no planeta. Nesse sentido, sustentabilidade[2] tem seu significado ligado à “espiritualidade” e, por esse motivo, a questão ambiental deve estar no cerne da vida humana.
O aparecimento do ser humano na Terra pode ser dado pela teoria criacionista, Deus criador do universo, conforme narram os livros bíblicos e pela teoria da evolução, defendida pela ciência, o homem como resultado de um lento processo de mudanças. Tomamos por base aqui a teoria criacionista com sua fantástica história que revela Deus, em sua ação criadora, como o agricultor, o jardineiro que cria e cuida do seu jardim e que, logo depois, cria o homem e a mulher, os cria da própria terra, sinalizando que são uma coisa só. Estão unidos para que a vida seja um processo de sustentabilidade.
Deus nos criou a sua imagem e semelhança e deu a nós autoridade para cuidar da sua criação. Com isso, mostrou a necessidade de preservar o meio ambiente e toda espécie de vida. Deus quer que sejamos sustentáveis em nossas ações, para tanto, devemos adquirir hábitos ecologicamente corretos. Esse é o grande desafio a ser enfrentado por cada pessoa na construção de uma sociedade justa e fraterna. Mas, Infelizmente, estamos longe de cumprir com nosso compromisso, pois, nossa prática cotidiana caminha em direção contrária, conforme denuncia nossa própria história.
Apesar de possuirmos uma relação muito íntima com a terra, já que é por meio dela que adquirimos nosso sustento, vemos na história cicatrizes profundas deixadas pelas lutas por terra. Lutas, essas, que estão presentes desde os primórdios, conforme podemos conferir no relato de (Gn 4, 1-16), onde Caim mata seu irmão Abel. Este fato nos mostra, de maneira figurada, o rompimento entre o campo e a cidade[3]. Abel era um pastor de ovelhas que Deus se agradou da oferta e Caim era um lavrador do qual Deus não se agradou da oferta. Caim, por seu ato, recebe o castigo. Sai e vai habitar a terra de Node e lá conhece sua mulher que da à luz a Enoque. Nesse clima surge a primeira cidade bíblica.
Ao longo da história da humanidade a relação do homem com a terra foi de lutas e de conquistas que causaram marcas profundas, sofrimentos, angústias e problemas ambientais graves. No Brasil, por exemplo, a luta pela terra tem início com a chegada dos portugueses que, arbitrariamente, tomaram posse das terras ocupadas pela população originária e fizeram isso com extrema violência. Até os dias atuais os problemas relacionados à terra não foram solucionados, ainda, temos os grandes latifúndios  improdutivos de um lado e do outro trabalhadores sem terra querendo produzir e viver da terra. Porém, nem tudo está perdido, o contrário também existiu e existe ainda, hoje. Vemos algumas iniciativas que provam a possibilidade de uma convivência harmoniosa e inteligente do humano com o planeta. E, portanto, partindo do princípio de que a terra e toda criação, em sua diversidade, é obra de Deus, o domínio da mesma não é poder exclusivo de alguns poucos, mas de todos. Já que, não somos os donos dos bens da natureza e a terra é a morada comum da humanidade.
A criação da Terra e da Humanidade, narradas de forma poética no livro do Gênesis, tem seu início quando  Deus diz: "Façamos o homem à nossa imagem e semelhança. Que ele domine os peixes do mar, as aves do céu, os animais domésticos, todas as feras e todos os répteis que rastejam sobre a terra” (Gn 1, 26-27). A relação dialética entre o ser humano e natureza pressupõe uma existência e a sua sobrevivência, estabelecendo ao longo da história relações de transformações do meio ambiente. Mas não de transformações destrutivas ao meio ambiente, a relação ser humano e natureza se estabelece através do trabalho, um trabalho que domina e transforma para atender as necessidades individuais e coletivas (ARENDT, 1981)[4]. Mas o que vemos é a exigência de meio mais elaborado e tecnologicamente mais avançado de desenvolvimento resultando em devastação e destruição dos espaços.
A maneira de organização da sociedade capitalista moderna caracteriza um sistema de explorados e exploradores da força de trabalho. A racionalização associada ao processo industrial capitalista aniquila qualquer iniciativa de modo de organização social digna para todos. O bem estar, o meio ambiente, os valores sociais e éticos são rejeitados em nome do lucro máximo para a manutenção do capitalismo. Neste sentido, alerta Boff (2011)[5]:


Os trabalhadores são considerados como "recursos humanos" ou pior ainda "material humano" em função de uma meta de produção. Como se depreende, a visão é instrumental e mecanicista: pessoas, animais, plantas, minerais, enfim, todos os seres perdem sua autonomia relativa e seu valor intrínseco. São reduzidos a meros meios para um fim fixado subjetivamente pelo ser humano que se considera o centro e o rei do universo, Este quer enriquecer e acumular bens para si.

Em uma de suas crises o modelo capitalista buscou saída na globalização, ou seja, na homogeneização da economia mundial, segundo seu modelo de desenvolvimento que orienta a formação de sociedades que valorizem normas de eficiência para sustentação econômica e tecnológica. As desigualdades geradas pelo sistema capitalista e seus efeitos neoliberais geram problemas de exclusão social e de acesso a terra as famílias pobres. Assim sendo, temos o desafio de falar em desenvolvimento humano sustentável num mundo globalizado sob a égide do capitalismo. De construir alternativas que tornem possível uma sociedade capaz de satisfazer as necessidades atuais sem comprometer as gerações futuras, garantindo a preservação dos recursos naturais e do meio ambiente a todos.
A terra vem dando claros sinais de enfraquecimento e de morte nos últimos tempos. O papel dos profetas foi e sempre será de nos advertir quanto saber interpretar os sinais de Deus através dos fenômenos da natureza. Deus, como criador, preocupou-se da humanidade entender o processo de manutenção da vida na terra. Por isso, Francisco de Assis, Chico Mendes, entre tantos outros, cada um há seu tempo, mostraram que a exploração sustentável do planeta é de responsabilidade de todos para que as futuras gerações tenham vida e vida em plenitude junto a Mãe Terra.

[1] O tema apresentado é em homenagem ao Dia Mundial do Meio Ambiente foi instituído no dia 5 de junho de 1972, durante a Conferência das Nações Unidas (ONU), sobre o Meio Ambiente Humano, em Estocolmo. A data escolhida tem como objetivo principal chamar a atenção de todas as esferas da população para os problemas ambientais e para a importância da preservação dos recursos naturais, que até então eram considerados, por muitos, inesgotáveis.

[2] O conceito de sustentabilidade que vamos usar neste trabalho é o empregado por Leonardo Boff: “Toda ação destinada a manter as condições energéticas, informacionais, físico-químicas que sustentam todos os seres, especialmente a Terra viva, a comunidade de vida e a vida humana, visando a sua continuidade e ainda a atender as necessidades da geração presente e das futuras de tal forma que o capital natural seja mantido e enriquecido em sua capacidade de regeneração, reprodução, e coevolução”. Faz-se necessário aqui salientar o conceito devido ao conflito entre as várias compreensões do que seja sustentabilidade. Por exemplo, na clássica definição da ONU, do relatório Brundland, (1987) sustentabilidade “é o que atende as necessidades das gerações atuais sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atenderem a suas necessidades e aspirações”. Já o conceito mais comum e também jurídico está relacionado com a mentalidade, atitude ou estratégia ecologicamente correta, na diversidade cultural, viável a nível econômico e socialmente justa.

[3] Uma introdução à Bíblia. Formação do povo de Israel. Volume 2. 2ª ed. Ildo Bohn Gass (Org) RS: CEBI/Paulus 2011.

[4] ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Rio de Janeiro Forense, São Paulo, EDUSP, 1981.

[5] BOFF, Leonardo. Sustentabilidade e cuidado: um caminho a seguir. Junho de 2011. Disponível em: < http://leonardoboff.wordpress.com > Acesso em 21 de abril de 2014.


[i] Professor, Especialista em Educação e Poeta.

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