quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Contexto religioso do evangelho de João - O conflito na base da comunidade. Roberto e Afonso

                                  Contexto religioso do evangelho de João
                                   O conflito na base da comunidade.

                                                                                 Roberto e Afonso


1-     A confissão de fé em Jesus Cristo e o testemunho cristão no mundo nascem de um conflito concreto vivido pelas comunidades Joaninas.

A comunidade Joanina tem uma longa historia. A sua maneira de testemunhar o evangelho de Jesus Cristo atraia vários grupos de Judeus, e depois de pagãos. De fato a origem dessa comunidade está ligada ao “Discípulo Amado”. Este não era um dos doze, mas era discípulo e amigo de Jesus.
O tipo de pregação que a comunidade  fazia atraia, em primeiro lugar, os discípulos de João Batista, essênios e samaritanos; grupos esses que já tinham um certo preconceito em relação ao Templo de Jerusalém.
Atraíam também Judeus-Helenitas em peregrinação à Terra Santa  e que também tinham mais facilidade  de ver  a presença de Deus em seu povo através de Jesus Ressuscitado do que no templo de Jerusalém.
N medida em que a comunidade joanina ia desenvolvendo a sua cristologia (cf, Jo5,18ss), primeiro começou a ter problemas com os sacerdotes do Templo, depois  com os fariseus, e, finalmente, com as próprias comunidades fundadas pelos Doze. Com o correr do tempo, isso leva essa comunidade a sair da Palestina e a instalar-se na Ásia Menor. E a maioria dos comentadores acha que o local mais indicado para compreender a sua vida  e os seus conflitos é a cidade de Éfeso, na Ásia Menor.

2 -  Formação  da comunidade e Grupos religiosos ( anos 50 /80 aproximadamente).

A tradição situa as comunidades joaninas na região de Éfeso, na Ásia Menor (veja o mapa). A origem dessas comunidades não pode ser determinada com exatidão. Foram surgindo lentamente durante 30 anos aproximadamente. O Evangelho e as Cartas não nomeiam nem situam as comunidades geograficamente. No Apocalipse os capítulos 2 e 3 falam de sete (7) comunidades concretas ou igrejas (Éfeso, Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia, e Leocádia). Certamente as comunidades joaninas eram muito mais numerosas. A comunidade mais velha provavelmente era Éfeso, o ponto de partida para a expansão da mensagem cristã.
 Os grupos de origem das comunidades ligadas ao Discípulo Amado viviam na Palestina, provavelmente na Galiléia. Comunidades que foram se formando a partir de um grupo de cristãos de origem judaica. Comunidades acolhedoras que recebiam qualquer pessoa de qualquer procedência: os discípulos de João Batista (cf. Jo 1, 35ss), os samaritanos (cf. Jo 4), os helenista (cf. Jo 7, 35; 12, 20), os judeus expulsos da sinagoga (cf. Jo 9, 22; 12, 42. 16,2).
O que vem acarretar conflitos externos e confrontos inevitáveis (80 -100, aprox), mas essa pluralidade de culturas faz crescer e enriquecer a fé. A comunidade joanina é uma afluência de vários grupos com suas respectivas tradições religiosa.
a) Grupo  “mundo”
Essa palavra tem pelo menos 4 significados: existência, universo, humanidade e sociedade (sociedade corrompida, injusta e opressora). Trata-se da sociedade greco-romana, com suas leis, sua cultura, seu sistema político-econômico e principalmente, seu poderio militar. Naquele contexto histórico-social, o mundo em que se inseria a comunidade joanina tinha interesses coincidentes com o judaísmo formativo. O povo judeu jamais se conformara com a dominação romana.
b) Grupo “judeu”
         A palavra “judeu”, no Evangelho às vezes representa todo o povo judeu. Nesse caso, por trás escondem-se as autoridades do povo judeu, em parte responsáveis pela morte de Jesus e dos cristão no tempo em que o Evangelho está sendo escrito. Havia  os judeus da sinagora que erxpulsaram os cristãos (9,22) e também os judeus que criam em Jesus (2,23-25) .
c) Grupo  “seguidores de João Batista”
           Atos 19,1-7 dá a entender que, desde o ano de 54, em Éfeso, já havia seguidores de João Batista, personagem importante no Evangelho de João. Estudos recentes afirmam que o Prólogo (Jo 1,1-18), esse hino, na sua origem seria uma poesia dedicada a João Batista. De fato, examinando Jo, 1-18, nota-se que os versículos 6-8 e 15 são uma espécie de cunha, um acréscimo para esclarecer que João Batista é simples testemunha que leva as pessoas a crer em Jesus. Ele reconhece que deve diminuir até desaparecer, ao passo que Jesus deve crescer (3,30), e à medida que dá testemunho, se esvazia e perde discípulos (1, 35-39). Nessa dimensão, é sinal de que as comunidades joaninas tiveram sérios enfrentamentos com os seguidores de João Batista. Em 3,23-36 o problema é que Jesus batiza e tem mais discípulos que João.
d) Grupo  “criptocristãos” (cristãos “em cima do muro”)
         São pessoas que deram sua adesão a Jesus, mas têm medo de confessar publicamente a própria fé. Se fizessem seriam expulsos da sinagoga como o cego que Jesus curou na piscina de Siloé (Jo 9,1-38). Duas personagens do Evangelho de João representam bem esse grupo: são Nicodemos e José de Arimatéia. Os dois pertenciam à elite dos judeus. José de Arimatéia usa seu prestígio (talvez pagando propina) para convencer Pilatos a deixar que o corpo de Jesus seja retirado da cruz (Jo 19,38b). Os romanos deixavam os corpos apodrecendo na cruz, para servir de alerta a quem ousasse discordar do sistema, do “mundo”.
e) Grupo   “cristãos judeus de fé inadequada” (insuficiente)
         As comunidades do Discípulo Amado não poupam críticas a esse grupo em seu Evangelho. O grupo segue Jesus até servir aos próprios interesses. O trecho a seguir começa reclamando desse grupo e termina mostrando a desistência do mesmo (Jo 6,60-66).
f) Grupo  “cristãos das igrejas apostólicas” (hierarquizadas)
          As comunidades joaninas não tinham um poder centralizado e centralizador como as outras comunidades cristãs do fim do I século e início do II século. Eram extremamente fraternas e iguais. A imagem mais significativa a esse respeito é a da videira (Jesus) e os ramos (os fiéis) capítulo 15. Para entender basta observar o papel das mulheres no Evangelho de João. As comunidades joaninas reagem contra as igrejas hierarquizadas representadas por Pedro. Pedro ao encontrar-se com Jesus pela primeira vez recebe um desafio que é procurar a própria identidade, representada pelo nome que Jesus lhe impõe, Cefas. Mas Simão nunca é chamado de Cefas. Jesus o chamava se Simão, filho de João.  (21,15-19). Excetuado dois textos (Jo 6, 67-71) e o capítulo 21, que certamente são acréscimos posteriores, Pedro se debate constantemente à procura de um eixo que lhe dê equilíbrio.
g) Grupo dos dissidentes
Grupos com outras idéias, como helenizantes ou gnósticos, Mais que no Jesus historico, acreditavam no Jesus transfigurado.

3-  Conflitos da Comunidade 

      A comunidade enfrenta duas graves ameaças: a expulsão da sinagoga e a crise de fé. Para um judeu, a expulsão da sinagoga era uma verdadeira tragédia: era cortar suas raízes  sócio-religiosas. Era como degradá-lo. Privá-lo de seus direitos de cidadania e bani-lo. Grande parte dos membros da comunidade joanina vivia esse drama. (Por volta do ano de  85 os cristãos  , que atè então iam para as sinagogas discutir as leis e os profecias com os judeus, são expulsos. Esse conflito foi denominado Reunião de Jamnia, pois foi ali que os Judeus se reuniram e acrescentaram a décima nona “benção” – “Maldito todo aquele que segue o  Nazareno !”
      Mas o desafio maior vinha da própria fé na encarnação. Neste sentido, é muito ilustrativo o capitulo 6. Depois da partilha dos pães,  Jesus vai para cafarnaum. Ao percebê-lo, a multidão embarca, atravessa o lago e vai ao seu encontro. Questionado,  Jesus faz o belo discurso em que se identifica como o maná do deserto e se proclama o verdadeiro pão descido do céu. Explode então uma crise de fé e muitos o abandonam (Jo 6,60-66). (As dificuldades entre  cristãos e judeus  se acentuaram. Muitos abandonaram as sinagogas e assumiram a fè cristã, outros abandonaram as comunidades e se uniram definitivamente às sinagogas, seus lugares de origem.)
      Além disso, tem de defender-se da infiltração do gnosticismo e do docetismo que desviam da pratica cristã originária, vivida e proposta por jesus de Nazaré.  A doutrina gnóstica afirma que a pessoa humana se salva graças a um conhecimento religioso especial, secreto e individual.  Os gnósticos pretendiam ser iluminados e livres do pecado e das tentações.  Não davam nenhuma importância à prática comunitária de amor ao próximo.
       O docetismo negava a encarnação do Filho de Deus. Afirmava que a humanidade de Jesus não passava de uma aparência, não podia ser uma realidade objetiva porque não admitiam que Deus pudesse assumir a nossa condição humana.
       A comunidade joanina pode ser assim caracterizada: comunidade de periferia, sem poder, marginalizada e excluída do sistema. O cego de nascença, como representante da comunidade  è expulso da sinagoga( Jo 9). Os samaritanos, excluídos pelo judaísmo oficial, são acolhidos carinhosamente (Jo 4,41-42).

4- O Desaparecimento das Comunidades Joaninas.(por volta do ano 110)

        A parceria das comunidades joaninas com as igrejas hierarquizadas teve consequências claras. O conflito interno foi superado. O grupo que criava discórdia dentro das comunidades joaninas foi afastado e se incorporou ao gnosticismo fazendo uma leitura gnóstica do evangelho de João , o que reforçou a desconfiança das outras comunidades  cristãs em relação ao evangelho.
          As comunidades joaninas tiveram que ceder e se adaptar ao novo jeito de ser igreja.  Abandonaram o evangelho de João para adotar o de Mateus. Cederam com inteligência e criatividade ,  mas  o preço foi alto e fatal: pouco a pouco  foram absorvidas pelas comunidades hierarquizadas e diluíram se nelas.
            Foram acrescentados  ao evangelho de João alguns textos importantes referentes a figura  representativa de Pedro (Jo 6,67-71 e o capitulo21) e à Eucaristia( Jo 6,51-58).
            O evangelho de João passa por um longo processo de silencio e desconfiança. Muito tempo depois, alguns escritores cristãos sem preconceitos o recuperam sem a influência do gnosticismo.

5-  Conclusão

             O capitulo 21 do evangelho de João reflete essa tensão (hierarquia x poder serviço). Unir as duas maneiras de ser igreja é um desafio constante até hoje.                                                                                                                                
  

6- Anexos

                                  Anexo 1: o movimento gnóstico
             Para bem entender os escritos pós- apostólicos, convém conhecermos alguns pontos centrais do gnosticismo.
             A palavra  gnóstico vem de “gnose”, que em grego significa conhecimento. O gnosticismo é um movimento religioso e filosófico que já existia no mundo greco- romano quando surgiram as primeiras comunidades cristãs e que teve seu auge no segundo século. A doutrina desse movimento tem sua origem na filosofia grega e em diversas religiões e correntes espirituais. Era uma mistura de ideias  desde a cultura do Irã, da Babilônia, do Judaísmo e do Egito, incluindo o pensamento grego.
                Diferentemente do Judaísmo, que propunha a Lei como caminho de redenção, os gnósticos apresentavam o conhecimento divino como  caminho para a verdadeira salvação.  Conhecimento que não se alcançava somente por esforço humano, mas era recebido por meio de uma revelação divina  vinculada à faísca de Deus adormecidas nas pessoas, transformando-as inteiramente e conduzindo-as à vida verdadeira. Os adeptos do gnosticismo consideravam seu conhecimento superior ao das pessoas que não seguiam seu movimento.
               O pensamento gnóstico é fortemente dualista. Por um lado, vê o mundo, a matéria de forma muito negativa, sob o domínio das forças do mal, das trevas.  O corpo humano está nessa esfera.  Como todo o cosmos, incluindo o corpo humano, encontra-se nas trevas, governado por forças inimigas, entregue à perdição, às paixões.  A matéria como prisão das centelhas divinas
                  Por outro lado, está a luz divina, lugar de onde se originam as almas das pessoas, que estão adormecidas e presas nos corpos, na matéria.  Adquirir conhecimento capacita as pessoas para percorrer o caminho de volta à dimensão divina.
                      Nesse sentido, os gnósticos entendem a alma como um núcleo divino que se encontra prisioneiro no corpo das pessoas.  Para vencer seus prazeres, seu egoísmo e seus desejos carnais, o corpo devia ser desprezado e castigado, além de ser afastado de todas as coisas  materiais, o mundo.  Para se libertar ,  a alma precisa alcançar a sabedoria, o conhecimento.  Uma vez liberta, ela volta a fazer parte da esfera divina.
                      Esse pensamento também encontrou adeptos nas comunidades cristãs. Os gnósticos cristãos entendiam Jesus como o salvador que revela o conhecimento de Deus à humanidade.  Ele terá descido em forma humana.  No entanto, não era verdadeiramente homem.  Não teria passado pelo sofrimento e pela morte.   Propunham também um desprezo por tudo que tem a ver, segundo seu pensar, com as coisas terrenas como, por exemplo, o casamento (1 Tm 4,3).
                       Os gnósticos cristãos estavam preocupados com a busca da revelação do conhecimento divino e com o distanciamento de tudo que estava ligado às coisas materiais.  Afastavam-se de um Cristo encarnado na condição humana (1Jo 4,2-3; 2Jo 7) e envolvido na promoção da vida de quem estava à margem da  cidadania, tendo  que enfrentar, consequentemente, sérios conflitos com quem detinha o poder político, econômico e religioso.  Dessa forma os gnósticos cristãos promoviam um cristianismo voltado à busca da sabedoria.  Transformavam o evangelho do reino em uma religião que não representava nenhum perigo às estruturas desse mundo, limitando –se  demasiadamente à libertação interior, uma religião de elite, letrada e economicamente superior.
                  É possível que o mago simão de at 8,9-24 seja um gnóstico que se dizia ser portador da revelação divina.

                                     Anexo 2 : a expulsão da sinagoga.
                   A sinagoga tinha um papel central na vida das famílias  judias, particularmente na diáspora , onde surgiu.  Era a casa de oração , de adoração ao Deus de Abraão, Isaac e Jacó.  Nela se guardavam os rolos da Torá, expressão máxima da presença de Deus depois que o Templo de Jerusalém foi ao chão. E Não só. Era também:                                                                                 
  1- o espaço de alfabetização e de estudo das escrituras;
2-o local de reunião em que eram discutidos e resolvidos os problemas internos da comunidade judaica;
3-o canal de comunicação entre a comunidade e as autoridades civis (com direito inclusive  a cobrar impostos para si e a recolhê-los para o império);
4- a responsável pelos recursos comunitários destinados  a aliviar as necessidades  dos abandonados (órfãos, viúvas e enfermos);
5-  a administradora do campo santo, único local onde os judeus se sentiam enterrados com dignidade fora de sua pátria.
                         Toda a vida das famílias judaicas girava em torno da sinagoga.  Colocar – se fora desinagoga ficavam proibidos de comprar e vender dos dissidentes.  Estes, por sua vez,  perdiam todos os direitos que somente por meio dela poderiam usufruir: educação, convívio cultural, participação politica, defesa diante dos desmandos do estado, assistência social... e até enterro!  Poucas coisas  podiam ser tão aterrorizantes como ter negado o direito a ser enterrado.  E as lideranças souberam usar bem essa situação para implementar  seu projeto.  O medo de ser expulso da sinagoga transparece em vários momentos do evangelho (Jo 9,22; 12,42 la ou ser expulso era uma desventura com consequências quase insuperáveis.  Sem  a mediação da sinagoga, os dissidentes não podiam aprender uma profissão.  Sofriam embargo econômico da própria comunidade.  Os judeus  que permanecessem fiéis ao cristianismo.

                   Trabalho apresentado por Roberto e Afonso durante o 1º seminário do grupo CEBI Graça de Duque de Caxias -que aconteceu no dia  25/01/15.



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