segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Direitos Humanos: um desafio a ser conquistado. João Crispim Victorio Cebi Campo Grande - Rio (RJ)

Direitos Humanos: um desafio a ser conquistado.

João Crispim Victorio[i]

            Sabemos que a tendência natural da humanidade é evoluir e essa evolução se dá de acordo com os conhecimentos científicos, tecnológicos e sociológicos acumulados, por isso, temos a impressão que lá nos primórdios se vivia o atraso. Agora, quando o assunto é a convivência em sociedade e em família, aí parece que as coisas evoluem lentamente. Nesse sentido, as questões relacionadas a gênero, a etnia, a religiosidade, a política e, por fim, ao poder econômico são, sem sombra de dúvidas, questões que necessitam da educação como base para melhor compreensão e discernimento na construção de um mundo melhor. Mundo, esse, que pode ser compreendido e comparado ao Reino de Deus. Para tanto, é preciso abolir o poder econômico, creio ser ele o causador de todos os problemas sociais produzindo o pior de todos os conflitos, a guerra. Assim, ter compreensão do processo histórico que possibilitou a construção da Declaração Universal dos Direitos Humanos na busca da vida vivida em harmonia, é fundamental. Pois só conhecendo o documento é que daremos a ele o devido valor e importância, já que o mesmo nasce da necessidade de permitir que todos, homens, mulheres, crianças e idosos tenham vivam em plenitude.
            Para definirmos Direitos Humanos[1] podemos começar dizendo que o título é formado por dois substantivos: Humanos, homem e mulher; Direitos, coisas permitidas em lei. Então, Direitos Humanos são os direitos que a pessoa tem porque é humano. Esses direitos estão baseados no princípio do respeito em relação ao ser humano que antes de qualquer coisa é um ser moral e racional, por isso, merece ser tratado com dignidade. São chamados de direitos humanos porque são universais e sem dúvidas são bastante amplos e significativos no sentido da liberdade do trabalho, da escolha da pessoa para formar a família, de viajar livremente e de ter lazer. Ou seja, toda pessoa têm direitos, não importa o gênero, a etnia, a orientação sexual, a religião ou o país que vive. Mas nem sempre foi assim. Nos tempos passados, não havia garantias dos direitos individuais da pessoa humana.
Os direitos humanos surgiram da ideia de que todas as pessoas deveriam ter, garantidos em lei, alguns princípios básicos, necessários a uma vida digna em sociedade. Encontramos essa ideia em todo o processo de desenvolvimento e evolução da humanidade enquanto ser social, tanto nos livros bíblicos do Antigo e do Novo Testamento, quanto em alguns pensadores nas áreas de História, Sociologia e Antropologia. Um primeiro exemplo é a narrativa sobre a criação que encontramos no livro de Gênesis (Gn 1, 25-29)  onde a criatura, cen­tro do ato criador, torna-se parceiro do próprio criador no cuidado com toda a sua criação. Um segundo exemplo é a tentação do poder absoluto nas narrativas do fruto proibido (Gn 2, 15-17), pois comer daquele fruto permitiria ter o mesmo poder de Deus. Por isso o ser humano se percebeu nu e frágil, consciente de sua limitação. Já o relato da Torre de Babel (Gn 11), por meio da confusão das línguas diferentes, mostra a impossibilidade dos seres humanos serem submetidos a um poder absoluto, ou seja, haverá sempre a luta pelo poder.
No Pentateuco, percebemos o caráter social da ética dos hebreus nos critério estabelecidos para o convívio humano pautado pelo reconhecimento dos direitos como as Leis de Deus (Ex 20, 1-17) que norteia toda a ação e convívio humano, como por exemplo, o uso e a distribuição da terra e dos alimentos, pois a maior preocupação é com os pobres, os órfãos, as viúvas, os leprosos, os estrangeiros, com todos que correm o risco da exclusão. Mas é com os profetas do Antigo Testamento que encontramos muitas ações em defesa da dignidade, da liberdade e do direito à vida humana em plenitude. Os profetas representavam a oposição consciente aos atos do poder dos que reinavam sobre o povo em Israel. Eles foram chamados e enviados por Deus para denunciar toda opressão e falácia do poder dos Reis, que deveria estar a serviço do povo, e anunciar o Reinado de Deus.
O Novo Testamento, além dos Evangelhos, traz também narrativas referentes às primeiras comunidades cristãs, descrevendo as atividades dos discípulos após a morte e a ressurreição de Jesus, evidenciando a forma de organização social das mesmas. Poderíamos aqui exemplificar com várias passagens do próprio Jesus, mas para o propósito do nosso texto citarei o Apóstolo Paulo (Rm 13, 1-7), mediando um confronto entre a comunidade e a autoridade política local. Esse tipo de problema, sabemos muito bem, ocorre ainda hoje em nossas comunidades. No entanto, Paulo escreve a comunidade no intuito de mostrar como deve ser exercido o poder político e o seu limite, objetivando estrategicamente, com isso, evitar a negação radical da autoridade política. Fazer essa leitura de maneira desatenta nos leva a pensar que Paulo está sugerindo que toda autoridade é boa e deve ser obedecida, porém, o que Paulo está dizendo é que não devemos hostilizar e nem desprezar a autoridade inadvertidamente, isso, para nós hoje é defender do Estado de Direito. Podemos concluir, então, que no limite do contexto histórico, social e político, Paulo defende os valores de cidadania e de direitos da pessoa humana.
Como podemos verificar, em toda a Bíblia encontramos textos que relatam a preocupação com a dignidade da vida humana[2]. Outro fato histórico importante na consolidação dos direitos humanos ocorreu em 539 a.C. O primeiro rei da antiga Pérsia, Ciro, o grande, libertou os escravos da Babilônia e, posteriormente, declarou, registrando em um cilindro de barro, que todas as pessoas tinham o direito de escolher sua religião. Este é o registro mais antigo, hoje reconhecido como a primeira carta dos direitos humanos. Além desse registro, outros documentos históricos foram surgindo na intenção de garantir os direitos individuais da pessoa, como a Carta Magna, outorgada pelo Rei João da Inglaterra, no ano de 1215, a elaboração da Petição de Direitos, apresentada ao Rei Carlos I em 1628, a Constituição dos Estados Unidos (1787), a Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), e a Declaração dos Direitos dos Estados Unidos (1791). Todos considerados por muitos como documentos precursores da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Dentre os registros históricos[3] acima podemos observar que durante esta fase foram ocorrendo mudanças de ordem política e econômica, no mundo conhecido, sugerindo modificações radicais no comportamento social das pessoas. A partir daí o tempo vai se tornando cada vez mais curto entre um documento e outro. Durante o movimento denominado Renascimento, século XV e XVI, precursor da ciência moderna, surge instrumentos que vão facilitar as navegações marítimas, dando início ao período de expansão da Europa, por meio das colonizações nas Américas e na África, época que fere de morte os direitos humanos, devido, principalmente, a execução dos nativos e a escravidão dos negros africanos. Mas é no século XVIII que se concentra o maior número de documentos históricos relacionados aos direitos da pessoa. Isso ocorre em consequência das grandes mudanças no cenário político, econômico e social que estão acontecendo em toda a Europa e Estados Unidos. Entre as mudanças podemos citar a Revolução Científica, a Revolução Industrial, de cunho econômico, iniciada na Inglaterra, a Revolução Francesa[4], de cunho social e ideológico. Revoluções, estas, que causam uma nova orientação na organização da sociedade e do trabalho.
Nesse sentido, uma nova geografia territorial e política é configurada. Um novo modo de organização social surge mexendo com a vida das pessoas provocando grandes transformações nos hábitos, nos costumes e nos valores morais e éticos. Estas transformações promovem no início do século XX, três novos fatos que vão mexer com todo o mundo: a Primeira Grande Guerra Mundial (1914-1918), a Revolução Russa (1917) e a Segunda Grande Guerra Mundial (1939-1945). Neste contexto, em abril de 1945, delegados de cinquenta nações se reuniram em São Francisco formaram a Organização das Nações Unidas – ONU, para proteger as pessoas e promover a paz. Os ideais da ONU foram declarados no prefácio da carta de proposta: “Nós os povos das Nações Unidas estamos determinados a salvar as gerações futuras do flagelo da guerra, que por duas vezes na nossa vida trouxe incalculável sofrimento à Humanidade”. A carta entrou em vigor no dia 24 de outubro de 1945, ainda no calor e no cheiro da pólvora propagada na Segunda Guerra Mundial.
Dia 24 de outubro de 1945, a partir desta data se comemora todos os anos o Dia das Nações Unidas. Três anos depois, em 1948, a Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, inspirada na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, elaborou um documento, que finalmente viria ser aprovado pelas Nações Unidas no dia 10 de dezembro do mesmo ano, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos. O documento, composto por trinta artigos, tem hoje parte dessas leis constitucionais delineando os direitos fundamentais que formam a base para uma sociedade justa e democrática. Entre os trinta artigos do documento estão questões relacionadas com a garantia dos direitos civis, políticos, sociais e ambientais, como a liberdade individual, a educação, a saúde, a propriedade, a cultura, entre outros.
Como vimos a Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada pela ONU, guia o texto base de inúmeras Constituições pelo mundo, inclusive a nossa de 1988. Mas assim como alguns países, o Brasil, ainda, não conseguiu consolidar alguns artigos da Lei universal no que se refere à:
... liberdade e a dignidade, conforme o artigo primeiro... no que se refere à igualdade perante a lei, conforme artigo sétimo...  no que se refere à propriedade, conforme artigo décimo sétimo...  no que se refere à liberdade de pensamento, de consciência e de religião, conforme artigo décimo oitavo...  no que se refere à liberdade de opinião e de expressão, conforme o artigo décimo nono... no que se refere ao direito a trabalho, à filiação sindical e à proteção contra o desemprego, conforme artigo vigésimo terceiro... no que se refere ao direito a repouso, a lazer e a férias periódicas pagas, conforme artigo vigésimo quarto... no que se refere à educação, educação de qualidade gratuita e obrigatória, pelo menos no ensino básico, e acesso ao estudo superior aberto a todos em plena igualdade, conforme o artigo vigésimo sexto... (UNIC / Rio / 005 - Agosto 2009).

Os artigos destacados são os básicos do básico no desafio da construção de uma sociedade justa e fraterna, porém, ainda não conseguimos implantá-los de maneira efetiva na nossa sociedade brasileira. Há muito ainda por fazer, principalmente, no que se refere a: construção de um sistema de educação inclusivo e de qualidade; promoção da justiça social com  empregos e salários dignos; reforma agrária com investimentos financeiros e infraestrutura que garanta a fixação do homem na terra e políticas públicas destinadas aos mais pobres para torná-los pessoas dignas. Aos poucos estamos conquistando alguns desses desafios, no entanto, sabemos que não é fácil, basta olharmos para os últimos 15 anos, a mudança na direção dos investimentos públicos do governo federal, por exemplo, vem causando verdadeiro ódio aos mais ricos, acostumados somente a ganhar e nunca a repartir. Por isso, os mesmos vêm se organizando e investindo muito dinheiro para derrubar o governo e acabar com a festa dos mais pobres e marginalizados. Sendo assim, é preciso conhecer para fazer valer e defender a nossa Constituição, conforme proclama a Declaração Universal dos Direitos Humanos, no seu prefácio: “... tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades...”. Ou seja, a saída é pela educação.

Rio de Janeiro, 04 de dezembro de 2015.





[1] Definição conforme Dicionário Aurélio Buarque de Holanda Ferreira.

[2] Os textos bíblicos citados são da Bíblia do peregrino da editora Paulus.

[3] http://www.humanrights.com/pt/what-are-human-rights/brief-history/cyrus-cylinder.html

[4] A França, em 1789, aboliu a monarquia absoluta estabelecendo a primeira República Francesa  e nesse momento proclama a Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão. Declaração que garante a todos os cidadãos os direitos de liberdade, propriedade, segurança, e resistência à opressão.





[i] Professor, Especialista em Educação e Poeta.

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