segunda-feira, 21 de julho de 2014

Uma Parábola Urbana - Gleides, Cebi Nova Iguaçu

Uma Parábola Urbana


       Um menino perambulava pela cidade pedindo algum trocado pra comer.
       Passou por ele uma jovem babá distraída, empurrando o carrinho do filho da patroa enquanto seus pensamentos estavam longe, em algum lugar da Baixada Fluminense onde seu bebê ficou aos cuidados de uma adolescente.
       Um advogado com expressão preocupada não se deteve ao ouvir o pedido, porque uma pilha de papéis o aguardava para serem lidos e relidos até encontrar uma “brecha na lei” e salvar seu cliente de um processo milionário.
       A velhinha bem cuidada tentava apressar os pezinhos relutantes em direção contrária ao garoto, com medo da abordagem. “Esses meninos são muito perigosos”, pensou.
       Eis que do mar surgiu um jovem com uma prancha de surfe e um largo sorriso nos olhos. “Oi, meu nome é João Marcello, e o seu?”, perguntou ao menino. Conversaram um tempo e a criança foi levada para sua casa onde lancharam e, como já era tarde, dormiu com sua família.
       Embora essa atitude preocupasse a mãe de João, ela já estava acostumada porque foram várias as vezes que pessoas abandonadas pelas ruas da cidade foram levadas por ele para casa, onde eram cuidadas, alimentadas e estimuladas a não perder a esperança de um dia melhor. “Elas só precisam de ajuda”, dizia.
       João saiu com o menino na manhã seguinte e nunca mais voltou. Seu corpo foi encontrado por bombeiros na Pedra da Gávea. Tinha 27 anos, e o menino se tornou o principal suspeito do crime.
       Não sei qual mensagem extrair dessa história. Não sou boa em parábolas, como era Jesus.
       Será que João Marcello conhecia a parábola do samaritano na qual Jesus termina com a ordem:  “vai e faze o mesmo”?  
       O que eu sei é que se essa não fosse uma história baseada em fatos reais, um surfista de classe média alta não seria seu protagonista. Por limitação minha e porque não dizer, talvez por preconceito.
       Mas esse jovem não tinha olhos apenas para o infinito do mar ou para as desafiadoras ondas das belas praias cariocas. Não era exatamente um “menino do Rio”. Ele enxergava aquele tipo de gente que, em geral, passa despercebido como se já fizesse parte da cruel paisagem das nossas grandes cidades. Aquelas pessoas que só se tornam visíveis quando são notícia nas páginas policiais.        
       Da mesma forma - embora com motivações diferentes das minhas - a plateia atenta de Jesus não esperava que fosse um samaritano o protagonista da parábola, digno de ser imitado e amado. Afinal, a parábola foi a resposta à pergunta: “quem é o meu próximo a quem devo amar?”
       O jovem surfista, assim como o samaritano, viu, julgou e agiu.        
       Agiu do seu modo, do seu jeito, com todas as complicações e riscos que a situação envolvia. Não me cabe analisar sua ação mas somente prestar-lhe um tributo por seu despojamento e humanidade.
       Essa história não termina aqui, porque meninos continuam “invisíveis” perambulando pela cidade a espera de alguém que olhe para eles.


                                                                                                       Gleides  –  Cebi  Nova Iguaçu

Um comentário:

  1. Com a plateia de Jesus, concluo que de onde não se espera é que vem.
    Parabenizo a escritora, a moça tem talento! Fez-me rezar pelo jovem surfista.

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