Uma Parábola Urbana
Um menino perambulava pela
cidade pedindo algum trocado pra comer.
Passou por ele uma jovem
babá distraída, empurrando o carrinho do filho da patroa enquanto seus
pensamentos estavam longe, em algum lugar da Baixada Fluminense onde seu bebê
ficou aos cuidados de uma adolescente.
Um advogado com expressão
preocupada não se deteve ao ouvir o pedido, porque uma pilha de papéis o
aguardava para serem lidos e relidos até encontrar uma “brecha na lei” e salvar
seu cliente de um processo milionário.
A velhinha bem cuidada
tentava apressar os pezinhos relutantes em direção contrária ao garoto, com
medo da abordagem. “Esses meninos são muito perigosos”, pensou.
Eis que do mar surgiu um
jovem com uma prancha de surfe e um largo sorriso nos olhos. “Oi, meu nome é João
Marcello, e o seu?”, perguntou ao menino. Conversaram um tempo e a criança foi levada
para sua casa onde lancharam e, como já era tarde, dormiu com sua família.
Embora essa atitude
preocupasse a mãe de João, ela já estava acostumada porque foram várias as
vezes que pessoas abandonadas pelas ruas da cidade foram levadas por ele para
casa, onde eram cuidadas, alimentadas e estimuladas a não perder a esperança de
um dia melhor. “Elas só precisam de ajuda”, dizia.
João saiu com o menino na
manhã seguinte e nunca mais voltou. Seu corpo foi encontrado por bombeiros na
Pedra da Gávea. Tinha 27 anos, e o menino se tornou o principal suspeito do
crime.
Não sei qual mensagem
extrair dessa história. Não sou boa em parábolas, como era Jesus.
Será que João Marcello
conhecia a parábola do samaritano na qual Jesus termina com a ordem: “vai e faze o mesmo”?
O que
eu sei é que se essa não fosse uma história baseada em fatos reais, um surfista
de classe média alta não seria seu protagonista. Por limitação minha e porque
não dizer, talvez por preconceito.
Mas
esse jovem não tinha olhos apenas para o infinito do mar ou para as
desafiadoras ondas das belas praias cariocas. Não era exatamente um “menino do
Rio”. Ele enxergava aquele tipo de gente que, em geral, passa despercebido como
se já fizesse parte da cruel paisagem das nossas grandes cidades. Aquelas pessoas
que só se tornam visíveis quando são notícia nas páginas policiais.
Da
mesma forma - embora com motivações diferentes das minhas - a plateia atenta de
Jesus não esperava que fosse um samaritano o protagonista da parábola, digno de
ser imitado e amado. Afinal, a parábola foi a resposta à pergunta: “quem é o
meu próximo a quem devo amar?”
O jovem surfista, assim como o
samaritano, viu, julgou e agiu.
Agiu do seu modo, do seu jeito, com todas
as complicações e riscos que a situação envolvia. Não me cabe analisar sua ação
mas somente prestar-lhe um tributo por seu despojamento e humanidade.
Essa
história não termina aqui, porque meninos continuam “invisíveis” perambulando
pela cidade a espera de alguém que olhe para eles.
Gleides – Cebi
Nova Iguaçu