Ciência e Tecnologia, a serviço de quem?
João Crispim Victorio[i]
Antes de qualquer coisa é preciso compreender
o conceito e a evolução da Ciência e da Tecnologia dentro de um contexto
histórico, social e ideológico, próprio da evolução humana. Dessa maneira iremos
perceber que Ciência e Tecnologia caminham juntas, mas
nem sempre dependente uma da outra; que quanto mais avançado em Ciência e Tecnologia
for um determinado país, mais poder exercerá sobre os outros e, por fim, para a
Ciência e a Tecnologia acontecerem são necessários investimentos, por um lado,
intelectual, capacidade de criação do ser humano e, por outro, financeiro, pois
no modelo político-ideológico que vivemos, sem o dinheiro, não há crescimento
científico e tecnológico.
A palavra ciência deriva do latim "scientia" que significa conhecimento ou saber.
Atualmente se designa por ciência todo o conhecimento que abarca teorias e leis
gerais obtidas e testadas por meio do método científico. A Ciência, na verdade,
comporta um conjunto de saberes com teorias elaboradas nas suas próprias
metodologias. Dentre esse conjunto de saberes temos as Ciências da Natureza que
descrevem, ordenam e comparam os fenômenos naturais determinando as relações
existentes entre eles, formulando leis e regras. Podemos distingui-las como Ciências
Exatas: física e química e Ciências Descritivas: biologia, geologia, medicina,
entre outras.
Já a palavra tecnologia tem sua origem no grego “τεχνη”
e “λογια” que significam ofício e estudo respectivamente, ou seja, o termo
envolve conhecimento técnico e científico. Então, tecnologias são métodos
elaborados para melhorar o funcionamento dos mecanismos de produção visando
tornar mais rentáveis os investimentos e isso compreende desde as ferramentas
mais simples até as mais complexas. Sendo assim, podemos definir tecnologia como
sendo a aplicação do conhecimento científico por meio do estudo sistemático das
técnicas para fabricar e fazer coisas conseguindo um melhor resultado prático.
Portanto, isso demonstra que a Tecnologia está intimamente ligada a Ciência e
ambas se completam para dinamizar a vida no mundo[1].
A religião, refiro-me aqui ao cristianismo, durante todo o processo de
evolução humana, além das Ciências e das Tecnologias, torna-se um fator que
merece destaque devido sua influência e interferência na vida e na história
humana. A Bíblia, por exemplo, não é
um livro científico, mas fala de ciência e está de acordo com fatos científicos
bem diferentes das crenças de alguns povos que viviam na época em que algumas
de suas histórias saíram da oralidade e ganharam a forma da escrita. Comparando
com a periodização clássica da historiografia as histórias biblicas acontecem dentro
do período que chamamos de História Antiga, em dois momentos. O primeiro,
Antigo Testamento, de 1900 a.C. até o ano 1 da era cristã e o segundo, Novo
Testamento, tem seu início a partir do nascimento, da trajetória, da morte de
Jesus Cristo e seus discípulos, ou seja, até os anos 70 d.C.
Vejamos alguns exemplo dos
relatos bíblicos[2]
que demonstram, de forma interessante, essa ligação entre Ciência e Religião. Vamos
iniciar esta tarefa com a questão do Universo: segundo o livro de Gênesis o Universo tem uma
criação (Gn1, 1). No entanto, para alguns povos antigos o Universo não foi
criado e sim nascido de deuses e os seres humanos eram vítimas das ações
imprevisíveis desses deuses, sabemos,
pois, que o Universo é governado por
leis naturais e não por caprichos dos deuses, conforme relatos no livro de Jó (Jó
38, 33) e de Jeremias (Jr 33, 25); A
Terra é suspensa no espaço vazio, conforme, Jó (Jó 26, 7). Porém, alguns povos
antigos acreditavam que a Terra era achatada e se apoiava em um búfalo ou em uma
tartaruga; ainda de acordo com Jó (Jó 36, 27-28) e, também, Eclesiastes (Ecl 1,
7) , entre alguns outros livros biblicos, a água evapora e cai em forma de
chuva, alimentando os rios e os mares. Os povos antigos acreditavam e até o
século 18, ainda se acreditava que eram as águas dos oceanos subterrâneos que
alimentavam os rios; algumas práticas de higiene são relatadas em Levítico (Lev
11, 28 e 13, 1-5) e Deuteronômio (Deu 23, 13), regulamentando ao povo de Israel
procedimentos corretos depois de tocar num cadáver, isolar pessoas com doenças
infecciosas e eliminar fezes humanas de forma segura. Nessa época os egípcios tratavam as feridas com
excremento humano.
Com esses poucos exemplos
citados já é possível verificar que a evolução da humanidade sempre
esteve diretamente ligada ao tripé: Religião , Ciência e Tecnologia. Hoje
sabemos que ao longo dessa evolução muitos cientistas, alguns deles divididos
entre Ciência e Religião, tiveram importante participação, mesmo durante a
tenebrosa inquisição. Pois, suas descobertas possibilitaram o progresso da vida
humana em sociedade e muitas das transformações sociais se deram devido ao
avanço científico que desde os primórdios da nossa história, principalmente, a
partir da descoberta, do uso e da reprodução do fogo, assim como o uso de um simples
galho de árvore para ampliar o braço humano e derrubar uma fruta, vem
ocorrendo. Ou seja, podemos dizer que nos distintos períodos da história que
antecederam a Revolução Científica[3], na
Europa do início no século 17, vimos uma ciência voltada para os conhecimentos
que poderiam explicar o Universo e seus fenômenos naturais e já nos períodos pós
Revolução Científica veremos a consolidação do que se convencionou chamar
Ciência Moderna. O embrião da Revolução foi a Renascença italiana, que apesar
da posição contrária da Igreja Católica foi em frente e no
início do século 18, toma forma o método científico, que passaria ser aplicado
na busca de explicação dos fenômenos da natureza. Aqui dois personagens se
destacaram Francis Bacon e René Descartes.
Nesse sentido, podemos concluir que a evolução da Ciência e da Tecnologia,
ao longo da história da humanidade, transita por três fases distintas, até
tornarem-se indissociáveis e, por que não dizer, centro da incansável busca
pelo progresso humano. Tomaremos por base, para essas divisões em fases, a
Revolução Industrial ou, segundo alguns historiadores, Revolução Tecnológica,
que teve início na Inglaterra de 1740, século 18. Revolução esta que acontece
devido aos avanços científicos e tecnológicos da época, pois, possibilitaram a
introdução das máquinas no processo produtivo. A introdução da mecanização na
produção, até então artesanal, dá origem as fábricas e por consequência
inicia-se um modelo de organização do trabalho, agora de forma intensiva. Dessa
forma podemos concluir que a primeira fase da evolução da Ciência e da Tecnologia
ocorre no período que antecede a Revolução Industrial. A segunda fase acontece
no período que vai da Revolução Industrial até a Segunda Guerra Mundial, século
20, e a terceira fase do avanço da Ciência e da Tecnologia, inicia-se com a Segunda
Grande Guerra, também no século 20, até os nossos dias atuais.
Como podemos verificar, hoje, a introdução das máquinas nos setores
produtivos ao longo dos anos, não só aumentou a velocidade do trabalho como
também reduziu e até mesmo substituiu o homem no seu posto de trabalho. Sendo
assim, a máquina e sua evolução através dos tempos passa ser o centro no
processo econômico e produtivo. Nesse contexto, com a ampliação do crédito foi
possível dinamizar e fortalecer o sistema capitalista em ascensão e o capital,
sem sombra de dúvidas, sempre ficou nas mãos de uns poucos, numa roda viva que
tem sustentação primeiro, no pilar econômico e segundo, no pilar político.
Mas, nos dias de hoje, num mundo dividido entre uma minoria de detentores
do capital e uma maioria de desprovidos desse mesmo capital, é preciso fazer a
seguinte reflexão: a Ciência e a Tecnologia estão a serviço de todos? A
resposta a esse questionamento é, simplesmente, não. Agora, depois de
respondida a questão, temos de tomar algumas atitudes, já que, o conhecimento
científico, conforme observado, ao longo da história, não era privilégio de
alguns grupos em detrimento de outros, mas ocorrera de maneira a favorecer
melhores condições de vida a todos, assim, como os relatos
do livro de Levítico[4].
Para tanto, é necessário que mudemos o nosso pensamento
e comportamento no sentido de garantir, lá na frente, a longo prazo, uma nova
humanidade. Proponho que essa mudança comece já, pois não é possível que
fiquemos no famoso “jeitinho”, é preciso muito mais. É preciso construir um
novo modo de viver e para alcançar esse objetivo o primeiro passo seria
desenvolver entre nós a cultura do não consumismo, consequentemente, nos livrando
das amarras da ideologia capitalista que só valoriza o ter em detrimento do
ser.
Rio de Janeiro, 7 de novembro de 2015.
[1] De acordo com a UNESCO, "a ciência é o conjunto de conhecimentos
organizados sobre os mecanismos de causalidade dos fatos observáveis, obtidos
através do estudo objetivo dos fenômenos empíricos"; enquanto "a tecnologia é o conjunto de
conhecimentos científicos ou empíricos diretamente aplicáveis à produção ou
melhoria de bens ou serviços" (Reis, Dálcio Roberto, “Ciência e
Tecnologia” in www.xadrezeduca.com.br/site/h4/).
[2] Os textos bíblicos citados são da Bíblia do peregrino
da editora Paulus.
[3] A revolução científica moderna tem início com a obra
de Nicolau Copérnico, Sobre a revolução dos orbes celestes (1543). Copérnico
defende matematicamente um modelo de cosmo heliocêntrico, rompendo com o
sistema geocêntrico formulado no século II por Cláudio Ptolomeu. Os filósofos René
Descartes e Francis Bacon dedicaram suas obras as novas teorias científicas e ao
modelo de ciência baseado no método científico da observação, da experimentação
e verificação de hipóteses como critérios decisivos, destituindo de vez o
argumento metafísico.
[4] O livro de Levítico é um tratado de higiene e saúde.
Nessa época o povo vivia a Idade do Bronze (1500 a.C.). Estavam saindo do
Egito, viajando a pé e acampando pelo caminho, com rebanhos e crianças
imigrando para o Oriente Médio. As orientações visavam acomodar as necessidades
e resguardar o povo de uma epidemia ou doença generalizada pelo acampamento. As
medidas anunciadas são profiláticas visando primariamente a prevenção e a
erradicação de microorganismos.
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