João Crispim Victorio[i]
Tenho
escutado, muitas vezes, o uso do termo “óbvio” ou “lógico” durante as conversas
com meus pares, seja em situações informais na sala dos professores ou nas
formais, nos Conselhos de Classes e Centros de Estudos. Mas qual o significado
destas duas palavras? Refiro-me a relação que estas palavras, tão usadas de
forma banal em nosso meio, têm com a ideologia neoliberal, carregada de
preconceitos, discriminação e marginalização da pessoa humana.
Para
tal missão recorri ao meu velho e bom amigo “Aurélio”, dele pude extrair que a palavra
óbvio é um adjetivo que significa “o
que salta à vista”, ou seja, o que é “claro”, e que a palavra lógico também é um adjetivo e significa
“conforme à lógica”, “que raciocina com justeza” ou seja, o que é “coerente”,
“natural” ou “inevitável”. Examinando ao “pé da letra”, parece ser muito
simples o entendimento de ambos os significados, pessoas menos esclarecidas
podem, até pensar: não vejo nada demais. Mas, em se tratando de educadores,
pessoas que passaram em média quatro anos de suas vidas se preparando para o
magistério, não dá para aceitar este pensamento tão simplista assim.
Devemos
lembrar que a profissão docente exige, no mínimo, compreensão da organização
social e política da nossa sociedade, da organização estrutural do nosso
sistema de educação, além, do entendimento que, a educação não é um campo
neutro ou apolítico, conforme muita gente acredita ser, ao contrário, educar é
um ato político e, segundo Paulo Freire[1]
(1997), “... pode
implicar tanto o esforço da reprodução da ideologia dominante quanto o seu
desmascaramento”. Portanto, neste caso é interessante que fiquemos
na ignorância, acreditando na impossibilidade de inverter sua lógica perversa
de exclusão. Citando ainda, Paulo Freire, "como professor não me é possível ajudar o educando a superar sua
ignorância se não supero permanentemente a minha". Isso significa
dizer que não é possível formar um indivíduo, trazê-lo à luz, para ser capaz de
interferir na sociedade politicamente, como reza os documentos oficiais da
educação brasileira, se o próprio educador ainda não entendeu o processo e só
consegue enxergar sombras deformadas pela pouca luz que entra na sua caverna.
Um
bom exemplo, para ilustrar o que estou falando, é quando, muitas das vezes, com
olhar preconceituoso, julgamos nosso aluno pela aparência física, pela cor da
pele, pelas roupas que veste ou pelo lugar onde mora. Nesse julgamento dizemos
logo: “é óbvio que esse aluno não vai chegar a lugar algum. Não vai aprender
nada”, “vai ser um analfabeto funcional”. Ora, estamos aqui seguindo a lógica
do pensamento dominante e com que facilidade nos eximimos de nossa parcela de
responsabilidade, enquanto educadores e membros ativos, que deveríamos ser,
dessa sociedade cada vez mais injusta.
Para Paulo Freire (1997), “do ponto de vista dos interesses dominantes, não há
dúvida de que a educação deve ser uma prática imobilizadora e ocultadora de verdades”. Sendo
assim, não podemos aceitar como óbvio esse sistema de exclusão social, que nos
é imposto por meio de uma escolarização pública deformada[2],
orientada por organismos internacionais de ideologia neoliberal que quer manter
o poder político nas mãos das elites intelectuais e financeira do nosso país.
Precisamos reagir a essa situação, isso se faz urgente, para tanto é necessário
entendermos a importância da nossa participação política nesse processo de
mudança. Porém, para que as mudanças ocorram é necessário que façamos algumas
pequenas modificações em nossa prática cotidiana, enquanto educadores, na sala
de aula e enquanto gestores da unidade escolar. Pois sabemos que as grandes transformações,
como por exemplo, a ruptura com o modelo atual de educação só ocorrerá quando
nossa sociedade acordar e sair da ilusão do berço esplêndido.
Muitas
das vezes agimos de forma equivocada e até mesmo ingênua, favorecendo o modelo
perverso de exclusão, quando aderimos ao que é tido como óbvio na organização escolar.
A formação das classes, por exemplo, achamos que se deva respeitar,
principalmente, o critério da faixa etária do educando, o que nos parece lógico
e, isso, vai se repetindo ao longo de sua permanência na escola. Ou seja, numa
escola que forma seis turmas de quinto ano, a maioria dos educandos que compõem
a 1501, seguirá assim até a 1901, as raras exceções são daqueles que por motivo
de retenção ou evasão quebram essa sequência. Neste sentido, as primeiras
turmas formadas, que compreende da 1501, provavelmente até a 1504, são consideradas,
as com os “melhores” alunos. O óbvio, aqui, na verdade é que essa lógica gera
consequências ruins, como a formação dos “guetos” por alunos rotulados bons,
regulares e ruins. Além de parecer que é óbvio, os professores mais antigos,
considerados dentro da lógica do justo, os mais preparados e experientes no
domínio de turmas e de conteúdos, receberem como “prêmio” sempre as primeiras
turmas, enquanto que os mais novos e inexperientes ficam com as outras. O
resultado, muitas das vezes, é a exoneração precoce dos professores novos ou,
pior, baixas na psiquiatria.
Estas
atitudes seguidas, sem questionamentos, por professores e gestores, como
óbvias, não me parece lógica em relação à coerência profissional. Sendo assim,
não devemos montar turmas formadas apenas por alunos repetentes do ano anterior
e por aqueles que, por algum motivo, se encontram defasados com relação ao ano
de escolaridade e a idade. Este simples movimento extirparia do nosso meio um
dos problemas mais grave que atrapalha, diretamente, a gestão escolar. Ao
acabar com os “guetos” de alunos rotulados, que só favorecem a evasão escolar,
estaremos melhorando as relações de convivência entre professores e alunos,
professores e professores, alunos e alunos, numa situação de respeito e
harmonia, até por que se queremos ser respeitados pelos alunos, devemos
respeitá-los, também. De forma indireta, haverá melhoraria nas ocorrências dos
mais variados tipos de violência que acontecem na escola e fora dela, o que
facilitaria o desenvolvimento pedagógico do processo ensino-aprendizagem.
Precisamos
pensar seriamente nisso. Somos formadores e o futuro dos jovens, queiramos ou
não, depende de nós, das nossas atitudes e dos nossos exemplos enquanto
cidadãos com direitos e deveres, enquanto seres humanos com necessidades de
receber e dar carinho e enquanto professores cientes da nossa missão. Se nos
sentimos desrespeitados pelo nosso sistema educacional, não é desrespeitando
nossos alunos que vamos resolver o problema. Não é com atitudes corporativistas
que vamos melhorar nossas condições de trabalho e de salário. As atitudes que
tomamos, muitas das vezes, com base no óbvio e no lógico, podem ser uma
armadilha, um tiro no próprio pé, pois, não podemos esquecer que as palavras não
têm somente seus valores semânticos, mas também ideológicos no sistema vigente.
Rio de Janeiro, 10 de agosto de 2015.
[1] FREIRE,
Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
[2] Deformada no sentido de querer manter
um sistema de educação dual. Para os pobres basta saber ler, escrever e fazer
as operações básicas da matemática e para os ricos um ensino que prepare para a
graduação e a pós-graduação.
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