sábado, 30 de agosto de 2014

Evangelho de Mateus - Maria do Carmo Cardoso - participante do Curso Extensivo

Curso extensivo- 17/08/2014

Evangelho de Mateus

Maria do Carmo Cardoso

                Assessoria: Obertal (assessor do Curso Extensivo)       


                Contexto histórico-geográfico
                A maioria dos estudiosos identifica este evangelho como sendo da Antioquia em algum lugar da Síria por ser uma comunidade de língua grega em que a maioria era de origem judaica. Ele se dirige às comunidades de judeus convertidos da Síria e da Palestina que viviam uma crise profunda de identidade com relação ao seu passado como judeus.
                Nos anos 50, depois da abertura para os pagãos, realizada no Concílio de Jerusalém ( At 15, 1- 29 ), alguns judeus começaram a romper com as observâncias da tradição dos antigos. Outros insistiam em continuar na observância das leis antigas, consideradas Palavras de Deus por que estavam no Antigo Testamento.
                Nos anos 60,crescia a influência dos zelotes que queriam provocar um levante contra o Império Romano. Tanto os fariseus como os judeus cristãos sofriam pressão para se engajar na luta armada contra Roma.
                Mas, no ano 67, à época da revolta contra Roma, nem judeus cristãos, nem fariseus quiseram participar deste evento.
                Depois da destruição de Jerusalém, ano 70, e do massacre dos últimos resistentes em Massada, todos os grupos que participaram da revolta foram eliminados: zelotes, essênios, saduceus, sicários. Restaram os judeus fariseus e os judeus cristãos. E entre estes dois grupos surgiu uma rivalidade pela posse da herança. Os dois se organizaram:  os judeus em torno da sinagoga e os cristãos em torno da igreja; tomaram posição cada vez mais  forte um contra o outro, condenando-se mutuamente.
                Neste contexto surge o evangelho de Mateus. Ele reflete a problemática do cristianismo em crescente via de separação do judaísmo. Os cristãos eram minoria sem expressão. A destruição de Jerusalém abalou os judeus, mesmo sendo cristãos; a expulsão da sinagoga foi traumática, chegando a abalar sua identidade; a influência da cultura grega era muito forte e invadia as comunidades cristãs; a exploração romana com o tributo e legiões pesava sobre o povo.
                Em meio a essas confusões eles se perguntavam: "Quais são os caminhos de Deus ? Qual a nossa missão" ?
                O evangelho tenta responder estas questões e lança vários desafios: revisãp da antiga lei, tendo Jesus como chave; enfrentar a separação do judaísmo; organização; reconciliação; ver com clareza qual a missão da comunidade; ânimo na travessia do judaísmo para o cristianismo.
                É para este grupo de judeus cristãos dos anos 80 que Mateus escreve. Ele quer ajudá-los a dar um passo, a fazer a travessia; quer consolá-los; revelar a nova lei do amor e orientá-los para uma nova prática da justiça.
                Por volta do ano 85, os escribas e fariseus, reunidos numa cidade chamada Jâmnia  reformaram a religião de Israel, agora sem templo, centrando a vivência religiosa no culto das sinagogas e na fiel observância da Lei. Esta reforma permitiu que o judaísmo sobrevivesse até o dia de hoje
                A partir deste concílio os escribas e fariseus passaram a ser conhecidos como "rabinos" e resolveram expulsar do culto das sinagogas todas as correntes contrárias a sua doutrina. Entre essas correntes estavam os seguidores de Jesus de Nazaré, isto é, os  judeus que aceitavam Jesus como o Messias prometido.
                Autoria
                A tradição, por meio de Papias, afirma que  Mateus compôs em língua hebraica os discursos e cada qual os interpretou da melhor maneira. Não se pode afirmar com certeza que estes discursos sejam de fato  o evangelho de Mateus como o temos hoje. Muitos acreditam que se trata da fonte Q da qual se serviram Mateus e Lucas ou mesmo algum evangelho primitivo escrito em aramaico. Tudo isso são hipóteses. Hoje, os estudos apontam para o evangelho escrito em grego e não uma tradução do aramaico. As fontes em aramaico que precederam o evangelho são as tradições orais.
                Na bíblia, vem em primeiro lugar, antes de Marcos.
                Mateus era um dos doze apóstolos ( Mt 10,3; mc 3,8; Lc 6,15; At 1, 12 ). É o mesmo Levi, um publicano, que foi chamado porr Jesus e o seguiu ( Mc2, 13-14; Lc 5,27-28; Mt 9,9 ). Para  comemorar, ele  reuniu seus colegas em sua casa para uma ceia com Jesus (Mt 9, 10- 12; Mc 2, 15- 16; Lc 5,29- 30 ). É provável que Jesus tenha dado a Levi o nome de Mateus, que significa "dom de Deus", assim como deu a Simão o nome de Pedro ( Mt 16, 18) e apelidou de Boanerges os filhos de Zebedeu, João e Tiago ( Mc 3, 17 ).
                Em Mc 2,14; Lc 5,27 o cobrador de imposto é Levi, filho de Alfeu. Já em Mt 9,9, trata-se de Mateus. Esta diferença de nomes não é explicada.
                Mas, se o autor não é Mateus da lista dos Doze, trata-se de um desconhecido com algumas características: cristão proveniente do judaísmo e de fala grega, erudição rabínica capaz de adaptar os ditos de Jesus à mentalidade judaica. Uma grande preocupação do autor é mostrar para a Igreja de todas as nações o significado de Jesus como o Messias de Israel.
                Há vários indícios de que este escrito se destina à  comunidade de matriz judaica. Enquanto Marcos e Lucas falam do "Reino de Deus", Mateus fala de "Reino do Céu", evitando o sacrossanto nome de Deus de cujo uso os judeus costumavam abster-se.
                A "igreja" de Mateus vivia a crise total. Crise política (destruição de Jerusalém e do templo); cultural,por causa da cultura greco-romana; religiosa, ruptura entre judeus e cristãos.
                Esquema do evangelho
                O evangelho se apresenta como a Nova Lei de Deus, ensinada por Jesus, o novo Moisés. O anúncio começa no Sermão da Montanha. No Antigo Testamento, a Lei de Moisés era apresentada em cinco Livros chamados Pentateuco.
                Imitando o modelo antigo, Mateus apresenta a Nova Lei de Jesus como um novo Pentateuco.
                As comunidades de Mateus apresentam certo grau de organização em termos de celebrações e serviços. Tinham o batismo ( Mt 28,19 ); a Santa Ceia ( Mt 18,15-17 ); a reconciliação ( Mt 16, 18-20 ); o poder de curar e exorcizar (Mt 10,1 ); proclamar a Boa Nova do Reino ( Mt 10, 17 ).Todos deviam assumir suas responsabilidades com humildade e espírito de serviço (Mt 18,4 .20, 26-28 ).
                O evangelho é bem articulado, seu estilo é catequético. Compõe-se basicamente de cinco livretos costurados num conjunto harmonioso emoldurado por uma introdução e uma conclusão. Cada livrinho tem uma parte narrativa e uma dicursiva.
                Mateus 1 -2: Introdução
                Genealogia de Jesus, incluindo quatro mulheres estrangeiras ( 1, 1- 17 )
                Jesus realiza um novo Êxodo e inaugura um novo tempo ( 1, 18- 2,23 )
                Mateus 3 -7: Primeiro livro:  A justiça do Reino
                Narrativa: A prática de Jesus anunciando o Reino ( 3- 4 )
                Discurso: O Sermão da Montanha ( 5 - 7 )
                Mateus 8 - 10: Segundo livro: Justiça para a libertação dos pobres
                Narrativa: Milagres que sinalizam a realização do Reino ( 8- 9 )
                Discurso: Como realizar a missão de anunciar o Reino ( 10 )
                Mateus 11,1-13.52: Terceiro livro: Justiça que provoca conflitos
                Narrativa: Reações diante da prática de Jesus ( 11 -12 )
                Discurso: Parábolas que apontam para o mistério do Reino ( 13, 1 - 52 )
                Mateus 13,53- 18,35: Quarto livro: O novo povo de Deus
                Narrativa: O seguimento de Jesus ( 13,53- 17,27 )
                Discurso: A comunidade é sinal do Reino de Deus ( 18 )
                Mateus 19-25: Quinto livro: A vinda definitiva do Reino de Deus
                Mateus 26- 28: Conclusão: A páscoa da libertação
                Pode-se encontrar divisões diferentes, sempre de acordo com os interesses teológicos. Pode-se falar de várias divisões, desde que esteja definida a intenção. Não há unanimidade em termos de divisão; mas todo o evangelho é escrito seguindo estes dois gêneros literários: relato e discurso. Após o relato de algum fato, episódio, aparece sempre um discurso de Jesus. É uma forma didática para transmitir a mensagem.
                Objetivos
                Levar os fiéis a descobrirem a prática que conduz à verdadeira justiça.Foi escrito para reafirmar a certeza de que Deus é presença contínua na história do seu povo. Deus é Emanuel ( Mt 1,23; 28,20 ).
                Questão escatológica
                A parte discursiva (24-25 ) começa com o discurso sobre o fim do mundo, chamado de discurso escatológico. É um discurso em estilo apocalíptico. As tintas são muito carregadas e as imagens muito fortes. Entrelaçam-se profecias refeerentes ao fim de Jerusalém, já destruída quando o evangelho foi escrito, e do fim do mundo, para realçar a vinda do Filho do Homem.
                O evangelho apresenta o último julgamento como uma verdadeira apoteose: o Filho do Homem, com o cortejo de todos os anjos, se assentará no trono de sua glória, diante de uma plateia formada por todas as nações de todos os tempos, como o pastor de um inumerável rebanho. Pastor e rebanho são imagens familiares no cenário da Palestina. A cena se movimenta com a separação das ovelhas, os eleitos, e dos cabritos, os rejeitados. Os eleitos vão ocupar o lugar honroso da direita e os rejeitados à esquerda. Então o Filho do Homem, juiz supremo, proferirá a sentença, dando os motivos da escolha e da rejeição.
                Questão teológica
                Mateus narra a parte central de uma história iniciada no  Antigo Testamento e destinada a ter continuidade. Ele olha para o passado com as genealogias ( 1,1-7 ), as citações e frases evocativas de amplos contextos veterotestamentários,como a "Boa Notícia do Reino" (4,23; 9,35; 24,14 ),palavra e doutrina do reino ( 13, 19.52 );em seguida, perscruta o futuro, anunciando que todos os povos serão feitos discípulos graças à pregação dos enviados ( 28, 16-20 ).
                O evangelho é uma catequese continuada referente à construção da comunidade, constituída de regras próprias: o perdão, a oração, a correção fraterna ( Mt 18 ) e que termina no reino. Especialmente unida à Trindade, em cujo nome são batizados os novos discípulos ( Mt 28,19 ), a Igreja está aberta para todos os povos, fazendo uma diferença com o antigo Israel ( Mt 21,43 ). Se a Igreja é a parte mais transparente do esquema teológico de Mateus, então o seu fundamento é a cristologia.
                A Jesus só pertence como propriedade à comunidade e nela ele é o único mestre ( Mt 23,10 ) capaz de iluminar, exortar, julgar e tornar leve o jugo ( Mt 11,28-30 ). Ele está constantemente presente, desde a encarnação, quando se apresenta como Emanuel ( ="Deus conosco",Mt 1,23 ), no dia-a-dia, quando garante "estar no meio" daqueles que se reúnem para rezar ( Mt 18,20 ),continuando a assistência também após a ressurreição ( "estarei com vocês todos os dias até o fim do mundo", Mt 28,20 ). Entre os muitos títulos, o mais importante, ligado ao mistério da sua pessoa, é o de "Filho de Deus" ( Mt 2,15 ), reconhecido como tal pelo Pai ( Mt3,17 ).
                Características
                De todos os evangelistas, Mateus apresenta uma didática mais clara. Entre o prólogo (Mt 1-2 ) e a narrativa da morte e ressurreição de Jesus ( Mt 26,3-28,20 ), ele organiza o assunto de todo o evangelho em cinco livrinhos, cada um contendo uma narrativa, de modo a ilustrar o discurso. Ele escolheu os episódios de cada parte narrativa,de modo a ilustrar o discurso  seguinte. O discurso resume e explica o que contém a narrativa. A palavra de Jesus é sempre apresentada como resultado de uma ação, e toda ação é sempre ensinamento, anúncio.
                A comunidade é convidada a olhar para dentro de si mesma, a fim de descobrir a presença de Jesus, que ensina a prática da justiça.
                Pode-se caracterizar este evangelho  como um drama em sete atos sobre a vinda do Reino dos Céus: 1. a pessoa do Messias menino ( 1-2 ); 2. Sermão da Montanha ( 3-4 ); 3. sinais através de milagres, discurso da missão ( 8-10 ); 4. obstáculos a serem encontrados, ilustrados pelas parábolas ( 11, 1- 13, 52 ); 5. início com os discípulos ( 13, 53 -18,35 ); 6. discurso escatológico ( 19-25 ); 7. enfim, o próprio advento, no sofrimento e ao triunfo, pela paixão e pela ressurreição ( 26-28 ).
                Mateus escreve entre judeus e para judeus; procura mostrar na pessoa e na obra de Jesus, principalmente, o cumprimento das Escrituras.
                Teoria das fontes
                A tradição que é comum em Mateus e Lucas, ausente em Marcos, é derivada de uma fonte independente chamada Q ( Quelle ) com exclusão, portanto, de uma dependência de Mateus em relação a Lucas ou o contrário; Mateus e Lucas também usaram fontes próprias. Essa teoria não se aplica rigorosamente como se, por exemplo, cada perícope de Marcos devesse ser considerada sempre primitiva. As outras hipóteses ou reduzem os documentos ou até admitem quatro, como faz Boisnard.
                Os documentos primitivos confirmam a existência de um escrito palestino ( talvez o Mateus aramaico ) antes de Mateus, considerado necessáro para explicar muitos trechos do evangelho. 
                Em "Os Quatro Evangelhos: Um estudo das origens" (1924 ), Burnett Hillman Streeter argumentou que uma terceira fonte, conhecida como fonte M e também uma fonte hipotética, dizendo que Mateus não tem paralelo em Marcos ou em Lucas. Esta hipótese das quatro fontes postula que havia pelo menos quatro fontes do evangelho de Mateus:  o evangelho de Marcos e três fontes perdidas ( Q, M e L ).
                Exegese
                O evangelho de Mateus mostra que as comunidades venceram a tentação de fechar-se em si mesmas. Mostra que a Travessia para além de todas as divergências é possível. Elas não se fecharam em si mesmas, mas identificaram-se com o sal da terra e a luz do mundo. Descobriram que a sua missão era a abertura para todos  os povos, levando a eles a Boa Notícia da sua experiência de Deus, recebida de Jesus, a saber,que Deus é Pai, Abba. Ele está no meio de nós. Somos todos irmãos e irmãs. Não podemos excluir  ninguém, especialmente os pequenos. Devemos ser como fermento na massa que,agindo no silêncio  e desaparecendo na própria massa, permite que ela fique totalmente levedada.
                Bibliografia:
1. Bíblia de Jerusalém
2.Bíblia Pastoral
3.Cebi- Introdução geral aos evangelhos : Marcos e Mateus- Paulus -2008
4.Lopes,Mercedes;Mesters,Carlos;Orofino.Francisco-A nova justiça do Reino de Deus-Cebi-2014
5.Lopes,Mercedes;Mesters,Carlos;Orofino,Francisco-A palavra na vida- Cebi135/136-Travessia
6.Portal do Cristianismo / portal da literatura ( internet )

7.Schlaepfer,C.Frederico-Evangelhos e Atos dos Apóstolos ( apostila )