Curso extensivo- 17/08/2014
Evangelho de Mateus
Maria do Carmo Cardoso
Assessoria:
Obertal (assessor do Curso Extensivo)
Contexto
histórico-geográfico
A maioria dos estudiosos identifica este evangelho
como sendo da Antioquia em algum lugar da Síria por ser uma comunidade de língua
grega em que a maioria era de origem judaica. Ele se dirige às comunidades de
judeus convertidos da Síria e da Palestina que viviam uma crise profunda de
identidade com relação ao seu passado como judeus.
Nos anos 50, depois da abertura para os pagãos,
realizada no Concílio de Jerusalém ( At 15, 1- 29 ), alguns judeus começaram a
romper com as observâncias da tradição dos antigos. Outros insistiam em
continuar na observância das leis antigas, consideradas Palavras de Deus por
que estavam no Antigo Testamento.
Nos anos 60,crescia a influência dos zelotes que
queriam provocar um levante contra o Império Romano. Tanto os fariseus como os
judeus cristãos sofriam pressão para se engajar na luta armada contra Roma.
Mas, no ano 67, à época da revolta contra Roma, nem
judeus cristãos, nem fariseus quiseram participar deste evento.
Depois da destruição de Jerusalém, ano 70, e do
massacre dos últimos resistentes em Massada, todos os grupos que participaram
da revolta foram eliminados: zelotes, essênios, saduceus, sicários. Restaram os
judeus fariseus e os judeus cristãos. E entre estes dois grupos surgiu uma
rivalidade pela posse da herança. Os dois se organizaram: os judeus em torno da sinagoga e os cristãos
em torno da igreja; tomaram posição cada vez mais forte um contra o outro, condenando-se
mutuamente.
Neste contexto surge o evangelho de Mateus. Ele
reflete a problemática do cristianismo em crescente via de separação do
judaísmo. Os cristãos eram minoria sem expressão. A destruição de Jerusalém
abalou os judeus, mesmo sendo cristãos; a expulsão da sinagoga foi traumática,
chegando a abalar sua identidade; a influência da cultura grega era muito forte
e invadia as comunidades cristãs; a exploração romana com o tributo e legiões
pesava sobre o povo.
Em meio a essas confusões eles se perguntavam:
"Quais são os caminhos de Deus ? Qual a nossa missão" ?
O evangelho tenta responder estas questões e lança
vários desafios: revisãp da antiga lei, tendo Jesus como chave; enfrentar a
separação do judaísmo; organização; reconciliação; ver com clareza qual a
missão da comunidade; ânimo na travessia do judaísmo para o cristianismo.
É para este grupo de judeus cristãos dos anos 80 que
Mateus escreve. Ele quer ajudá-los a dar um passo, a fazer a travessia; quer
consolá-los; revelar a nova lei do amor e orientá-los para uma nova prática da
justiça.
Por volta do ano 85, os escribas e fariseus, reunidos
numa cidade chamada Jâmnia reformaram a
religião de Israel, agora sem templo, centrando a vivência religiosa no culto das
sinagogas e na fiel observância da Lei. Esta reforma permitiu que o judaísmo
sobrevivesse até o dia de hoje
A partir deste concílio os escribas e fariseus
passaram a ser conhecidos como "rabinos" e resolveram expulsar do
culto das sinagogas todas as correntes contrárias a sua doutrina. Entre essas
correntes estavam os seguidores de Jesus de Nazaré, isto é, os judeus que aceitavam Jesus como o Messias
prometido.
Autoria
A tradição, por meio de Papias, afirma que Mateus compôs em língua hebraica os discursos
e cada qual os interpretou da melhor maneira. Não se pode afirmar com certeza
que estes discursos sejam de fato o
evangelho de Mateus como o temos hoje. Muitos acreditam que se trata da fonte Q
da qual se serviram Mateus e Lucas ou mesmo algum evangelho primitivo escrito
em aramaico. Tudo isso são hipóteses. Hoje, os estudos apontam para o evangelho
escrito em grego e não uma tradução do aramaico. As fontes em aramaico que
precederam o evangelho são as tradições orais.
Na bíblia, vem em primeiro lugar, antes de Marcos.
Mateus era um dos doze apóstolos ( Mt 10,3; mc 3,8;
Lc 6,15; At 1, 12 ). É o mesmo Levi, um publicano, que foi chamado porr Jesus e
o seguiu ( Mc2, 13-14; Lc 5,27-28; Mt 9,9 ). Para comemorar, ele reuniu seus colegas em sua casa para uma ceia
com Jesus (Mt 9, 10- 12; Mc 2, 15- 16; Lc 5,29- 30 ). É provável que Jesus
tenha dado a Levi o nome de Mateus, que significa "dom de Deus",
assim como deu a Simão o nome de Pedro ( Mt 16, 18) e apelidou de Boanerges os
filhos de Zebedeu, João e Tiago ( Mc 3, 17 ).
Em Mc 2,14; Lc 5,27 o cobrador de imposto é Levi,
filho de Alfeu. Já em Mt 9,9, trata-se de Mateus. Esta diferença de nomes não é
explicada.
Mas, se o autor não é Mateus da lista dos Doze,
trata-se de um desconhecido com algumas características: cristão proveniente do
judaísmo e de fala grega, erudição rabínica capaz de adaptar os ditos de Jesus
à mentalidade judaica. Uma grande preocupação do autor é mostrar para a Igreja
de todas as nações o significado de Jesus como o Messias de Israel.
Há vários indícios de que este escrito se destina
à comunidade de matriz judaica. Enquanto
Marcos e Lucas falam do "Reino de Deus", Mateus fala de "Reino
do Céu", evitando o sacrossanto nome de Deus de cujo uso os judeus
costumavam abster-se.
A "igreja" de Mateus vivia a crise total.
Crise política (destruição de Jerusalém e do templo); cultural,por causa da
cultura greco-romana; religiosa, ruptura entre judeus e cristãos.
Esquema
do evangelho
O evangelho se apresenta como a Nova Lei de Deus, ensinada
por Jesus, o novo Moisés. O anúncio começa no Sermão da Montanha. No Antigo
Testamento, a Lei de Moisés era apresentada em cinco Livros chamados
Pentateuco.
Imitando o modelo antigo, Mateus apresenta a Nova Lei
de Jesus como um novo Pentateuco.
As comunidades de Mateus apresentam certo grau de
organização em termos de celebrações e serviços. Tinham o batismo ( Mt 28,19 );
a Santa Ceia ( Mt 18,15-17 ); a reconciliação ( Mt 16, 18-20 ); o poder de
curar e exorcizar (Mt 10,1 ); proclamar a Boa Nova do Reino ( Mt 10, 17 ).Todos
deviam assumir suas responsabilidades com humildade e espírito de serviço (Mt
18,4 .20, 26-28 ).
O evangelho é bem articulado, seu estilo é
catequético. Compõe-se basicamente de cinco livretos costurados num conjunto
harmonioso emoldurado por uma introdução e uma conclusão. Cada livrinho tem uma
parte narrativa e uma dicursiva.
Mateus 1 -2: Introdução
Genealogia de Jesus, incluindo quatro mulheres
estrangeiras ( 1, 1- 17 )
Jesus realiza um novo Êxodo e inaugura um novo tempo
( 1, 18- 2,23 )
Mateus 3 -7: Primeiro livro: A justiça do Reino
Narrativa: A prática de Jesus anunciando o Reino ( 3-
4 )
Discurso: O Sermão da Montanha ( 5 - 7 )
Mateus 8 - 10: Segundo livro: Justiça para a
libertação dos pobres
Narrativa: Milagres que sinalizam a realização do
Reino ( 8- 9 )
Discurso: Como realizar a missão de anunciar o Reino
( 10 )
Mateus 11,1-13.52: Terceiro livro: Justiça
que provoca conflitos
Narrativa: Reações diante da prática de Jesus ( 11
-12 )
Discurso: Parábolas que apontam para o mistério do
Reino ( 13, 1 - 52 )
Mateus 13,53- 18,35: Quarto livro: O novo povo
de Deus
Narrativa: O seguimento de Jesus ( 13,53- 17,27 )
Discurso: A comunidade é sinal do Reino de Deus ( 18
)
Mateus 19-25: Quinto livro: A vinda definitiva
do Reino de Deus
Mateus 26- 28: Conclusão: A páscoa da
libertação
Pode-se encontrar divisões diferentes, sempre de
acordo com os interesses teológicos. Pode-se falar de várias divisões, desde
que esteja definida a intenção. Não há unanimidade em termos de divisão; mas
todo o evangelho é escrito seguindo estes dois gêneros literários: relato e
discurso. Após o relato de algum fato, episódio, aparece sempre um discurso de
Jesus. É uma forma didática para transmitir a mensagem.
Objetivos
Levar os fiéis a descobrirem a prática que conduz à
verdadeira justiça.Foi escrito para reafirmar a certeza de que Deus é presença
contínua na história do seu povo. Deus é Emanuel ( Mt 1,23; 28,20 ).
Questão escatológica
A parte discursiva (24-25 ) começa com o discurso
sobre o fim do mundo, chamado de discurso escatológico. É um discurso em estilo
apocalíptico. As tintas são muito carregadas e as imagens muito fortes.
Entrelaçam-se profecias refeerentes ao fim de Jerusalém, já destruída quando o
evangelho foi escrito, e do fim do mundo, para realçar a vinda do Filho do
Homem.
O evangelho apresenta o último julgamento como uma
verdadeira apoteose: o Filho do Homem, com o cortejo de todos os anjos, se
assentará no trono de sua glória, diante de uma plateia formada por todas as
nações de todos os tempos, como o pastor de um inumerável rebanho. Pastor e
rebanho são imagens familiares no cenário da Palestina. A cena se movimenta com
a separação das ovelhas, os eleitos, e dos cabritos, os rejeitados. Os eleitos
vão ocupar o lugar honroso da direita e os rejeitados à esquerda. Então o Filho
do Homem, juiz supremo, proferirá a sentença, dando os motivos da escolha e da
rejeição.
Questão teológica
Mateus narra a parte central de uma história iniciada
no Antigo Testamento e destinada a ter
continuidade. Ele olha para o passado com as genealogias ( 1,1-7 ), as citações
e frases evocativas de amplos contextos veterotestamentários,como a "Boa
Notícia do Reino" (4,23; 9,35; 24,14 ),palavra e doutrina do reino ( 13,
19.52 );em seguida, perscruta o futuro, anunciando que todos os povos serão
feitos discípulos graças à pregação dos enviados ( 28, 16-20 ).
O evangelho é uma catequese continuada referente à
construção da comunidade, constituída de regras próprias: o perdão, a oração, a
correção fraterna ( Mt 18 ) e que termina no reino. Especialmente unida à
Trindade, em cujo nome são batizados os novos discípulos ( Mt 28,19 ), a Igreja
está aberta para todos os povos, fazendo uma diferença com o antigo Israel ( Mt
21,43 ). Se a Igreja é a parte mais transparente do esquema teológico de
Mateus, então o seu fundamento é a cristologia.
A Jesus só pertence como propriedade à comunidade e
nela ele é o único mestre ( Mt 23,10 ) capaz de iluminar, exortar, julgar e
tornar leve o jugo ( Mt 11,28-30 ). Ele está constantemente presente, desde a
encarnação, quando se apresenta como Emanuel ( ="Deus conosco",Mt
1,23 ), no dia-a-dia, quando garante "estar no meio" daqueles que se
reúnem para rezar ( Mt 18,20 ),continuando a assistência também após a
ressurreição ( "estarei com vocês todos os dias até o fim do mundo",
Mt 28,20 ). Entre os muitos títulos, o mais importante, ligado ao mistério da
sua pessoa, é o de "Filho de Deus" ( Mt 2,15 ), reconhecido como tal
pelo Pai ( Mt3,17 ).
Características
De todos os evangelistas, Mateus apresenta uma
didática mais clara. Entre o prólogo (Mt 1-2 ) e a narrativa da morte e
ressurreição de Jesus ( Mt 26,3-28,20 ), ele organiza o assunto de todo o
evangelho em cinco livrinhos, cada um contendo uma narrativa, de modo a
ilustrar o discurso. Ele escolheu os episódios de cada parte narrativa,de modo
a ilustrar o discurso seguinte. O
discurso resume e explica o que contém a narrativa. A palavra de Jesus é sempre
apresentada como resultado de uma ação, e toda ação é sempre ensinamento,
anúncio.
A comunidade é convidada a olhar para dentro de si
mesma, a fim de descobrir a presença de Jesus, que ensina a prática da justiça.
Pode-se caracterizar este evangelho como um drama em sete atos sobre a vinda do
Reino dos Céus: 1. a pessoa do Messias menino ( 1-2 ); 2. Sermão da Montanha (
3-4 ); 3. sinais através de milagres, discurso da missão ( 8-10 ); 4.
obstáculos a serem encontrados, ilustrados pelas parábolas ( 11, 1- 13, 52 );
5. início com os discípulos ( 13, 53 -18,35 ); 6. discurso escatológico ( 19-25
); 7. enfim, o próprio advento, no sofrimento e ao triunfo, pela paixão e pela
ressurreição ( 26-28 ).
Mateus escreve entre judeus e para judeus; procura
mostrar na pessoa e na obra de Jesus, principalmente, o cumprimento das
Escrituras.
Teoria das fontes
A tradição que é comum em Mateus
e Lucas, ausente em Marcos, é derivada de uma fonte independente chamada Q
( Quelle ) com exclusão, portanto, de uma dependência de Mateus em relação a
Lucas ou o contrário; Mateus e Lucas também usaram fontes próprias. Essa teoria
não se aplica rigorosamente como se, por exemplo, cada perícope de Marcos
devesse ser considerada sempre primitiva. As outras hipóteses ou reduzem os
documentos ou até admitem quatro, como faz Boisnard.
Os documentos primitivos
confirmam a existência de um escrito palestino ( talvez o Mateus aramaico )
antes de Mateus, considerado necessáro para explicar muitos trechos do
evangelho.
Em "Os Quatro Evangelhos:
Um estudo das origens" (1924 ), Burnett Hillman Streeter argumentou que
uma terceira fonte, conhecida como fonte M e também uma fonte
hipotética, dizendo que Mateus não tem paralelo em Marcos ou em Lucas. Esta
hipótese das quatro fontes postula que havia pelo menos quatro fontes do evangelho
de Mateus: o evangelho de Marcos e três
fontes perdidas ( Q, M e L ).
Exegese
O evangelho de Mateus mostra que
as comunidades venceram a tentação de fechar-se em si mesmas. Mostra que a
Travessia para além de todas as divergências é possível. Elas não se fecharam
em si mesmas, mas identificaram-se com o sal da terra e a luz do mundo.
Descobriram que a sua missão era a abertura para todos os povos, levando a eles a Boa Notícia da sua
experiência de Deus, recebida de Jesus, a saber,que Deus é Pai, Abba. Ele está
no meio de nós. Somos todos irmãos e irmãs. Não podemos excluir ninguém, especialmente os pequenos. Devemos
ser como fermento na massa que,agindo no silêncio e desaparecendo na própria massa, permite que
ela fique totalmente levedada.
Bibliografia:
1. Bíblia de
Jerusalém
2.Bíblia Pastoral
3.Cebi-
Introdução geral aos evangelhos : Marcos e Mateus- Paulus -2008
4.Lopes,Mercedes;Mesters,Carlos;Orofino.Francisco-A
nova justiça do Reino de Deus-Cebi-2014
5.Lopes,Mercedes;Mesters,Carlos;Orofino,Francisco-A
palavra na vida- Cebi135/136-Travessia
6.Portal do
Cristianismo / portal da literatura ( internet )
7.Schlaepfer,C.Frederico-Evangelhos
e Atos dos Apóstolos ( apostila )